44
anos do assassinato de Édson Luís de Lima Souto!
28/03/1968 |
Por Henrique Bezerra
No fim da tarde ou início da noite do dia 28 de março de 1968, por
volta das 18hs foi assassinado o jovem paraense, estudante secundarista (que
recém completara 18 anos), Edson Luís de Lima Souto, que jantava, momentos
antes de mais uma das constantes manifestações da Frente Unida dos Estudantes do
Calabouço (FUEC), no restaurante Calabouço, no Rio de Janeiro. Os estudantes
protestavam, “simplesmente”: “contra o aumento do preço da refeição, que
consideraram abusivo, e pela conclusão das obras do restaurante” (Valle; 1998,
p. 50). Um protesto “simples”, considerando suas reivindicações e por ser uma
ação corriqueira naquele restaurante, porém, realizado num momento de intensa
tensão política e social, em pleno ano de 1968. O Calabouço funcionava em outro
local e fora demolido sem explicação confessada. Porém, acreditase que tenha
sido devido aos preparativos para uma reunião do Fundo Monetário Internacional
(FMI), no Museu de Arte Moderna, de onde o antigo Calabouço ficava próximo.
Para alguns, o emblemático ano de 1968 começou com este
acontecimento. A partir deste dia, foram inúmeras as manifestações de rua,
aglutinando não apenas estudantes, até o decreto do Ato Institucional nº 5
(AI-5) e a avaliação de boa parte dos estudantes - que tinham maior
participação na luta estudantil e política - que não havia mais a possibilidade
de mobilizações como até então eram desenvolvidas, ou seja, partindo para a
clandestinidade que exige a luta armada. O assassinato de Édson Luís, tomou
proporções gigantes, devido, principalmente, o caráter explícito e covarde de
tal ato. Não se tratava de mais uma pessoa que tinha sido “suicidada”
(justificativa bastante utilizada pelos torturadores – como no caso de um outro
assassinato, o do jornalista Vladimir Herzog [Vlado]) ou então, “simplesmente”,
mais um caso de “desaparecimento” (outra justificativa exaustivamente utilizada
pelos partidários do Golpe). Tratava-se, isto sim, de um assassinato! Aos olhos
de todos e todas que se faziam presentes naquele restaurante ou ao seu redor –
como por exemplo, os jornalistas Ziraldo e Zuenir Ventura, que estavam na
redação de uma revista que tinha sede próxima ao Calabouço.
Com um tiro no peito, caiu morto “um jovem que poderia ser seu
filho” (frase que se tornou uma consigna nas grandes manifestações do enterro,
das missas de Édson Luís e até na passeata dos 100 mil). Na tentativa
(frustrada e ridícula) de justificar o assassinato, o General Osvaldo Niemeyer
Lisboa, superintendente da Polícia Executiva, afirmou que “a polícia estava
inferiorizada em poder de fogo” (Poerner; 1979, p. 293). Aqueles estudantes – e
desconheço relatos que afirmem o contrário – estavam “armados” com paus,
pedras, garfos, facas, pratos... “Armas” encontradas em qualquer restaurante ou
em qualquer rua, ontem e hoje. Mesmo assim, este militar tenta justificar dessa
forma. Além disso, segundo o jornal estudantil O Metropolitano, de
abril de 1968, ao falar sobre a brutalidade da violência policial, ressalta que
a prova de tal brutalidade residia não apenas no assassinato do estudante, mas,
também, nas “diversas perfurações a poucos centímetros do chão, nas paredes do
restaurante. Pelo menos seis dessas perfurações se encontravam a metro e meio
do solo”. (in Valle; 1998, p. 55). Ou seja, atiraram para matar, de fato!
Frente ao ocorrido, o jornal que fazia oposição à ditadura
civil-militar no Brasil: Correio da manhã, no editorial do dia seguinte (29 de março de 1968), se posiciona
sem a farsa da imparcialidade:
“Estudantes reuniram-se ontem, no Calabouço, para protestar contra
as precárias condições de higiene do seu restaurante. Protesto justo e correto.
(...) Apesar da legitimidade do protesto estudantil, a Polícia Militar decidiu
intervir. E o fez à bala. (...) Não agiu a Polícia Militar como Força Pública.
Agiu como bando de assassinos. Diante dessa evidência cessa toda discussão
sobre se os estudantes tinham ou não razão - e tinham. E cessam os debates
porque fomos colocados ante uma cena de selvageria que só pela sua própria
brutalidade se explica. Atirando contra jovens desarmados, atirando a esmo,
ensandecida pelo desejo de oferecer à cidade mais um festival de sangue e
morte, a Polícia Militar conseguiu coroar, com esse assassinato coletivo, a sua
ação, inspirada na violência e só na violência. Barbárie e covardia foram a
tônica bestial de sua ação, ontem. O ato de depredação dos restaurante pelos policiais,
após a fuzilaria e a chacina, é o atestado que a Polícia Militar passou a si própria,
de que sua intervenção não obedeceu a outro propósito senão o de implantar o terror
na Guanabara. Diante de tudo isso, depois de tudo isso, é possível ainda
discutir alguma coisa? Não, e não. A Guanabara, cidade civilizada e centro
cultural do Brasil, não perdoará os assassinos”. (in Valle; 1998, p. 54).
Com as ruas escuras, mesmo já sendo à noite, as “autoridades da
ditadura” efetuavam mais uma tentativa frustrada de “abafar” o que estava
acontecendo, inclusive para que as pessoas nas ruas não conseguissem ler os
diversos cartazes empunhados pelas que participavam do cortejo fúnebre. E à
medida que o caixão de Édson Luís de Lima Souto, descia para sempre, em várias
partes do cemitério de São João Batista, no Rio de janeiro, naquele cemitério e
em várias partes do Brasil, o juramento era feito e compartilhado: neste luto,
começa a luta!”.
Pelo direito à Memória... Pela necessidade da luta!
Passaram-se 44 anos daquele fim de tarde. 44 anos e a violência de
Estado continua presente como sempre esteve. Em breve, no dia 1º de abril
(considero esta data, mesmo sabendo que alguns defendem que o “aniversário” do
golpe seja em 31 de março), serão completados 48 anos do golpe civil-militar de
1964. São 48 anos de impunidade, de “verdade velada” (e não revelada). Mesmo
com uma presidenta e vários parlamentares que sofreram na pele as consequências
do golpe, a maior parte dos arquivos da ditadura (ou, ao menos, aqueles
que ainda não foram destruídos – prática comum entre os partidários do regime
militar) continuam guardados por diversas chaves e sob os olhares atentos dos
generais que hoje, no lugar da punição por seus atos, muitos vivem
confortavelmente e desfilam como símbolos de vivos de um país que não se importa
nem mesmo com sua História. A Comissão da Verdade continua “no papel”. Um
engodo que, ao que parece, no máximo, produzirá alguns novos documentos com informações
não tão novas assim e, pronto.
Baseados na argumentação de que a Lei da Anistia sela a
conciliação nacional,
torturadores, partidários do silêncio que deriva do medo,
continuam impunes. E diversas mortes, seja a de Édson Luís, Vlado, o alagoano
Manuel Fiel Filho - para citar apenas alguns nomes entre tantos “suicidados” e “desaparecidos”
conhecidos e anônimos - sejam tratadas como meras “fatalidades”. De acordo com
o que foi afirmado pelo cientista social Bruno Lima Rocha:
“Negar que o Estado brasileiro deliberadamente torturou, matou,
cometeu desaparição forçada, violentou, liberou seus chacais para saque e botim
de bens de opositores é negar a história do país. [...] Infelizmente esta mesma
negação do óbvio faz com que tenhamos aprovado a Anistia para criminosos
oficiais e, ao contrário, das demais democracias do ConeSul, sermos o país que
menos puniu a seus antigos algozes”. (A
comissão da verdade e o silêncio dos culpados; março de 2012.
Hoje, seja também de forma explícita e “legal” (como, por exemplo,
com a máquina de extermínio legal, que recebe o significativo nome de:
Caveirão) ou de formas mais sofisticadas, vários jovens como Édson Luís de Lima
Souto, continuam sendo silenciados e/ou assassinados diariamente,
principalmente, nas periferias das cidades. Crimes de intolerância parecem ser
cada vez mais tolerados pelos quatro poderes (Executivo, Legislativo,
Judiciário e Midiático). Aqui e acolá, crimes de ódio às diferenças tornam-se
comuns. Por outro lado, as manifestações “por paz” parecem tentativas de
conforto pessoal e de tão estéreis soam irônicas. As feridas nos tão surrados
Direitos Humanos, continuam abertas. E assim continuarão, até a dignidade ser
um sentimento/ação de rebeldia.
Bibliografia:
MARTINS
FILHO, João Roberto. Rebelião estudantil: 1968 – México, França e Brasil. Campinas, SP: Mercado das Letras, 1996.
POERNER,
Artur José. O poder jovem: história da
participação dos estudantes brasileiros. 2ª
edição: revistada, ilustrada e ampliada. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1979.
ROCHA,
Bruno Lima. A comissão da verdade e o silêncio
dos culpados. Março de 2012. Artigo
visualizado em 28 Março de 2012. No portal:
VALLE,
Maria Ribeiro do. A morte de Edson Luís e a questão
da violência. In MARTINS FILHO, João Roberto
(org.). 1968 faz 30 anos. Campinas, SP: Mercado das Letras; São Paulo: Fapesp; São Carlos,
SP: Editora da Universidade de São Carlos, 1998.
VENTURA,
Zuenir. 1968: O ano que não terminou. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988.
Zona Sul (periferia de Maceió/AL), fim de tarde ou
início da noite de 28 de março de 2012 – 44 anos depois
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