quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Zona Sul - O que cultivar?


Construção para a visita do Papa, em 1991, passou mais de 20 anos abandonada.
Estrutura poderia ter sido utilizada para incentivar a cultura na beira da lagoa.



Mesmo o pão, um dia foi trigo. Boa parte dos alimentos, para chegar às mesas, precisa de um “terreno”, de um pedaço de terra para ser cultivado. E belas flores ou bons frutos podem ser cultivados mesmo em espaços inesperados. Quantas culturas ou quantos tipos de manifestações culturais diferentes (e divergentes) podem ser encontradas na Zona Sul? Um pouco de atenção, pesquisa e seriedade já são suficientes para perceber o quanto de produção cultural é realizada nestes bairros de Maceió.

Porém, assim como o pão, a cultura popular também precisa de mais do que apenas as mãos daqueles e daquelas que a plantam. Ou seja, a farta produção cultural nessa área já é uma cultura de resistência, tendo em vista a existência (e sobrevivência) mesmo, praticamente, sem incentivo e tendo que, constantemente, “remar contra a correnteza”. Quando falamos em incentivos, não se trata de “mesada para a cultura”, e sim, de direito! Por exemplo, Lei de Incentivo a Cultura, Leis específicas para cultura de periferia e para a periferia (como existe em alguns outros Estados), criação de espaços de cultura e lazer nas periferias etc. Quando, na verdade, o que vemos é justamente o contrário: ausência e abandono – como, por exemplo, o palco construído à margem da Lagoa Mundaú, no Dique Estrada, que poderia ser um espaço constante de apresentações artísticas, lazer e produção de arte.

Quando se trata desse assunto, uma fala bastante repetida é: “o governo faz, mas o povo quebra, estraga”. Deve-se perceber que educação não é apenas um processo formal. Ou seja, educação não é apenas “coisa de colégio”. É um processo que se inicia desde a família até à convivência nas ruas. Compreendendo essa continuidade, compreende-se a necessidade da continuidade de espaços e ações culturais nas periferias. Assim como a educação não se acaba quando o indivíduo acaba o ensino médio (ou superior), não basta a construção de espaços de cultura e lazer; estes também precisam ser contínuos, vivos.

Porém, não é isso que vemos do lado de cá. Enquanto em bairros ‘considerados nobres’, avenidas são fechadas aos domingos para que suas crianças possam brincar com tranquilidade e segurança, nas periferias, nossas crianças perdem os poucos e improvisados espaços de lazer – como ‘o campinho’ na Praça dos Pobres, onde hoje está situado um posto policial. Será que o Estado não poderia comprar ou alugar uma casa para ser instalado esse posto? Tinha que ser justamente num espaço onde a molecada jogava bola? Lembrando também do abandono dos brinquedos que – faz muito tempo – não recebem manutenção (aqueles que ainda existem) seja na Praça do Cruzeiro, na Praça Santa Tereza, o cuscuz da Praça da Faculdade etc...

          
Posto que foi construído no lugar do ‘campinho’
onde as crianças jogavam bola

Pobreza gera violência?

Outra argumentação bastante difundida é em relação à violência – o Vergel é considerado um dos bairros mais violentos da cidade. Será que não pode ser feita nenhuma relação entre tudo que já foi dito neste breve texto (ausência e abandono de espaços de cultura e lazer) com o aumento dos índices de criminalidade, principalmente, envolvendo jovens e crianças nesta região? Criminalização da pobreza e incentivo à cultura do medo além de serem lucrativas para uma minoria, mantem o silêncio da maioria. E silêncio é uma das coisas que os exploradores mais querem.

Como já dito, a Zona Sul de Maceió é uma região de uma farta produção cultural - artesanatos diversos; bumba-meu-boi; música; literatura; grupos de capoeira, de dança, de teatro... Apenas para citar alguns exemplos. Nesta região você pode encontrar jovens dançando break, às margens da Lagoa Mundaú, tendo como plano de fundo um pôr do sol belíssimo, que ilumina às águas onde estão os pescadores, que mais do que peixes, pescam sua sobrevivência e dignidade. Apesar de todas as dificuldades, encontram-se aqui poetas, cordelistas, escritores com livros lançados. Músicos e bandas dos mais diversos matizes musicais e com trabalho divulgado nacionalmente. Os detalhes dos exemplos não caberiam apenas neste texto. Entretanto, qual a imagem que é divulgada dessa região: violência, crime, mortes - uma rápida pesquisa num site de buscas mostrará o contraste.

Mesmo com todo descaso, a comunidade 
continua produzindo cultura de qualidade.
Como o Boi Alegria que é associado ao Núcleo 
Cultural da Zona Sul


Portanto, não é a pobreza que gera a violência, mas a desigualdade, sim. A violência cometida com caneta, por homens que usam terno e gravata, que provoca mortes devido ao desvio de verbas destinadas à saúde pública ou a fome de crianças que encontram na merenda escolar um importante motivo para irem às escolas ou o descaso em relação aos espaços de cultura e lazer nas periferias, que poderiam acolher jovens e crianças de modo bem mais atrativo que o crime, é “menos violência”? E a desigualdade, embora possa ter como o peso maior a economia, não é apenas econômica. A cultura que é produzida em ateliês e oficinas nos “bairros nobres” ou a cultura que é produzida pelos acadêmicos nas universidades é “mais cultura” que as produzidas no chão de terra batida, nos fundos de quintais ou ao ar livre nas praças das periferias?

Agora resta escolhermos o que queremos cultivar.