Construção para a visita do Papa, em 1991, passou mais de 20 anos abandonada.
Estrutura poderia ter sido utilizada para incentivar a cultura na beira da lagoa.
Estrutura poderia ter sido utilizada para incentivar a cultura na beira da lagoa.
Mesmo o pão, um dia
foi trigo. Boa parte dos alimentos, para chegar às mesas, precisa de um
“terreno”, de um pedaço de terra para ser cultivado. E belas flores ou bons
frutos podem ser cultivados mesmo em espaços inesperados. Quantas culturas ou
quantos tipos de manifestações culturais diferentes (e divergentes) podem ser
encontradas na Zona Sul? Um pouco de atenção, pesquisa e seriedade já são
suficientes para perceber o quanto de produção cultural é realizada nestes
bairros de Maceió.
Porém, assim como o
pão, a cultura popular também precisa de mais do que apenas as mãos daqueles e
daquelas que a plantam. Ou seja, a farta produção cultural nessa área já é uma
cultura de resistência, tendo em vista a existência (e sobrevivência) mesmo,
praticamente, sem incentivo e tendo que, constantemente, “remar contra a
correnteza”. Quando falamos em incentivos, não se trata de “mesada para a
cultura”, e sim, de direito! Por exemplo, Lei de Incentivo a Cultura, Leis
específicas para cultura de periferia e para a periferia (como existe em alguns
outros Estados), criação de espaços de cultura e lazer nas periferias etc.
Quando, na verdade, o que vemos é justamente o contrário: ausência e abandono –
como, por exemplo, o palco construído à margem da Lagoa Mundaú, no Dique
Estrada, que poderia ser um espaço constante de apresentações artísticas, lazer
e produção de arte.
Quando se trata
desse assunto, uma fala bastante repetida é: “o governo faz, mas o povo quebra,
estraga”. Deve-se perceber que educação não é apenas um processo formal. Ou
seja, educação não é apenas “coisa de colégio”. É um processo que se inicia
desde a família até à convivência nas ruas. Compreendendo essa continuidade, compreende-se
a necessidade da continuidade de espaços e ações culturais nas periferias.
Assim como a educação não se acaba quando o indivíduo acaba o ensino médio (ou
superior), não basta a construção de espaços de cultura e lazer; estes também
precisam ser contínuos, vivos.
Porém, não é isso
que vemos do lado de cá. Enquanto em bairros ‘considerados nobres’, avenidas
são fechadas aos domingos para que suas crianças possam brincar com
tranquilidade e segurança, nas periferias, nossas crianças perdem os poucos e
improvisados espaços de lazer – como ‘o campinho’ na Praça dos Pobres, onde
hoje está situado um posto policial. Será que o Estado não poderia comprar ou
alugar uma casa para ser instalado esse posto? Tinha que ser justamente num
espaço onde a molecada jogava bola? Lembrando também do abandono dos brinquedos
que – faz muito tempo – não recebem manutenção (aqueles que ainda existem) seja
na Praça do Cruzeiro, na Praça Santa Tereza, o cuscuz da Praça da Faculdade
etc...
Posto que foi construído no lugar do ‘campinho’
onde as crianças jogavam bola
Pobreza gera
violência?
Outra argumentação
bastante difundida é em relação à violência – o Vergel é considerado um dos
bairros mais violentos da cidade. Será que não pode ser feita nenhuma relação
entre tudo que já foi dito neste breve texto (ausência e abandono de espaços de
cultura e lazer) com o aumento dos índices de criminalidade, principalmente,
envolvendo jovens e crianças nesta região? Criminalização da pobreza e
incentivo à cultura do medo além de serem lucrativas para uma minoria, mantem o
silêncio da maioria. E silêncio é uma das coisas que os exploradores mais
querem.
Como já dito, a
Zona Sul de Maceió é uma região de uma farta produção cultural - artesanatos
diversos; bumba-meu-boi; música; literatura; grupos de capoeira, de dança, de
teatro... Apenas para citar alguns exemplos. Nesta região você pode encontrar
jovens dançando break, às margens da Lagoa Mundaú, tendo como plano de fundo um
pôr do sol belíssimo, que ilumina às águas onde estão os pescadores, que mais
do que peixes, pescam sua sobrevivência e dignidade. Apesar de todas as
dificuldades, encontram-se aqui poetas, cordelistas, escritores com livros
lançados. Músicos e bandas dos mais diversos matizes musicais e com trabalho
divulgado nacionalmente. Os detalhes dos exemplos não caberiam apenas neste
texto. Entretanto, qual a imagem que é divulgada dessa região: violência,
crime, mortes - uma rápida pesquisa num site de buscas mostrará o contraste.
Mesmo com todo descaso, a comunidade
continua produzindo cultura de qualidade.
Como o Boi Alegria que é associado ao Núcleo
Cultural da Zona Sul
Portanto, não é a
pobreza que gera a violência, mas a desigualdade, sim. A violência cometida com
caneta, por homens que usam terno e gravata, que provoca mortes devido ao
desvio de verbas destinadas à saúde pública ou a fome de crianças que encontram
na merenda escolar um importante motivo para irem às escolas ou o descaso em
relação aos espaços de cultura e lazer nas periferias, que poderiam acolher
jovens e crianças de modo bem mais atrativo que o crime, é “menos violência”? E
a desigualdade, embora possa ter como o peso maior a economia, não é apenas
econômica. A cultura que é produzida em ateliês e oficinas nos “bairros nobres”
ou a cultura que é produzida pelos acadêmicos nas universidades é “mais
cultura” que as produzidas no chão de terra batida, nos fundos de quintais ou
ao ar livre nas praças das periferias?
Agora resta escolhermos o que
queremos cultivar.
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