Passamos por uma greve da educação que rompeu os 100 dias, se
configurando como a mais longa greve da história no setor. Foi uma greve
nacional das IFES que reuniu estudantes (neste processo em mais de 40
IFES aderiram ao movimento), professores (58 de 59 instituições
participaram do processo), servidores e técnico-administrativos em uma
luta contra a desestruturação de carreira, ao mesmo tempo pela
reestruturação da mesma, por melhores condições de trabalho e de
estrutura nas instituições de ensino superior e contra o novo Plano
Nacional de Educação que torna lei o aprofundamento da mercantilização,
das privatizações de novo tipo, da expansão ou interiorização
precarizada e sem o devido investimento em recursos humanos e materiais.
Essa é tida como a maior greve das categorias em 10 anos, e carregou o
desafio não somente de obter força mobilizada para impor ao Estado e
seus gestores do Partido dos Trabalhadores as suas reivindicações, bem
como enfrentar a burocracia sindical (Proifes) que no movimento são como
“apêndices” da burocracia do Estado e cumprem o papel de “amaciar” as
lutas bem como arrefecê-las e desmobiliza-las em prol da
governabilidade. Entre os estudantes temos a “velha” entidade UNE que
cumpre o mesmo papel, e hoje não é mais que “correia” de transmissão do
Estado no movimento.
O que segue é um balanço e avaliação, desde nossa modesta
participação, da atuação estudantil no movimento grevista, buscando
traçar o que consideramos positivo e o que ainda se coloca como limites
que devemos enfrentar.
As políticas da educação: universalização do ensino ou desestruturação precarizante?
Quando observadas mais de perto, e
não pelo ângulo das frases de efeito e propaganda institucional de apelo
inclusivo e popular, as políticas de expansão da educação superior da
dobradinha petista na gestão do Estado, Lula e Dilma, seguem a risca
o ideário do “consenso de Washington” (ou a cartilha neoliberal para os
países da América Latina), isto é enxugar custos, formar mais e mais
barato (igual a tornar Universidade uma fábrica de diplomas), e como não
podia faltar nesta receita, privatizar alguns serviços prestados pelo
Estado. Nestes pontos parece que os “camaradas” foram ainda mais
eficientes que FHC na implementação da agenda burguesa na educação de
nosso País.
Se nos anos 90 a política de desresponsabilização do Estado (ou
privatização) no Ensino Superior foi iniciada, fazendo com que hoje 78%
da prestação dos serviços nesse setor seja ofertada pelo setor privado,
nos anos Lula as principais políticas que encontramos para a área de
educação não fogem a esta regra. Os carros chefe desta política são o
REUNI (Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das
Universidades Federais), PROUNI (Programa Universidade para Todos) e
FIES (Fundo de Financiamento Estudantil). O primeiro, respectivo a rede
pública Federal do ensino superior, representa a principal política para
área. Podemos afirmar sem dúvidas que esta política é responsável por
grande parte dos elementos que desestruturaram a educação superior
realmente pública, gratuita e de qualidade. Ao propor uma política de
expansão de cerca de 50% das UF´s, mas com um incremento de apenas 20% a
mais nas verbas (isto ainda para os anos da implementação, que acaba
agora em 2012), esta política favoreceu a expansão e interiorização
precárias, de forma desordenada e sem qualidade (ao não garantir
infraestrutura adequada e ao superexplorar a mão de obra dos docentes e
servidores quando não aumentou o quadro de trabalhadores de acordo com
as metas propostas). Não podemos deixar de citar que o REUNI impõem de
cima pra baixo algumas metas (ex.:90% de aprovação dxs ingressantes) e
reformulações curriculares o que por si só já piora as condições
pedagógicas. Para xs estudantes tais políticas significaram a
deterioração das condições do tripé ensino, pesquisa e extensão,
acompanhada de uma insuficiente política de assistência estudantil, pois
o PNAES (Plano Nacional de Assistência Estudantil) sequer tem em seu
texto orçamento definido, não garantindo moradia, alimentação,
transporte e recursos para a permanência na universidade (bolsas.
Somados a lei de iniciativa tecnológica, somente mais uma das
iniciativas de ataque à educação pública, que insere a lógica e o
capital privado por completo na produção de conhecimento, temos exposto o projeto de desmonte da estrutura de ensino público superior no Brasil.
Não bastando isso, os cortes se tornam política corrente do governo,
somando na área da educação 5 bi R$ entre 2011/2012. O PROUNI e o FIES
expõem ainda mais os compromissos do governo PT com o setor privado,
pois se no primeiro temos a isenção de impostos para Universidades
privadas (compra de vagas do Estado no setor privado) para atendimento
de alunos de baixa renda, no FIES temos o endividamento dxs estudantes
para que estes tenham acesso ao péssimo ensino privado. Mais flagrante
se fazem estas políticas se olharmos as cifras do orçamento: 47,9% para
amortização da dívida pública (ou seja, orçamento que vai para o bolso
de banqueiros e especuladores da dívida ou mega-agiotas) e 3,18% para a
educação.
No ensino público federal básico o quadro de precarização é
semelhante. Expansão desordenada e recursos insuficientes é a combinação
da moda, e não é a toa que vemos mobilizados secundaristas e
professores de escolas como a Dom Pedro II no Rio de Janeiro e mesmo de
toda rede de Institutos Federais. Para estes estudantes sequer há uma
política de Estado que assegura assistência e permanência. Nos IFs a
política do governo é similar e temos o PRONATEC (Programa Nacional de
Acesso ao Ensino Técnico e Emprego), que segue o modelo do REUNI,
expandindo de forma desordenada a rede tecnológica, e seguindo os
parâmetros da transferência de recursos para o setor privado, em
especial pelo modelo de “parcerias”. Este se fundamenta também em um
discurso de expansão e acesso a profissionalização para as camadas
populares, porém aponta-se para mais um projeto educacional onde ao
centro estão mercado, e as estratégias eleitoreiras.
Nos planos “estratégicos” do governo, temos traçadas as linhas pelo
PNE (Plano Nacional de Educação) que em cada meta vemos colocada a linha
produtivista, e mais os aspectos privatizantes (incentivadas
principalmente pelo PPPs-Parcerias Público Privadas) estão colocadas
para a educação em todos os seus níveis da infantil a superior. Por mais
que os setores governistas façam a propaganda, da suposta vitória que
foi a aprovação dos 10% do PIB para educação (que é para 2020, lembrando
que o ultimo PNE já não cumpriu a meta de 7%, hoje o investido chega
perto dos 4%), temos a dimensão que para o projeto de educação que esta
colocada o problema orçamentário é apenas uma parte do problema. (Banco
Mundial e FMI)
O problema da educação pública, no caso das IEFs, se mistura com o da
saúde. Com a proposta da EBSRH (Empresa Brasileira de Serviços
Hospitalares) aprovada em todas as instâncias do poder do Estado, e em
vias de aprovação e implementação nas Universidades, vemos toda a rede
de Hospitais Universitários submetidos à lógica do serviço privado, o
produtivismo, o que coloca um serviço que hoje já é precário em um
patamar ainda pior, sem falar que tal empresa abre margem à privatização
deste serviço. O modelo de gestão referência é o HU da UFRS (a muito
gerido em regime de OS-Organização Social), Hospital que já tem porta
dupla. Sabemos o que hoje isso representa para a população, pois os HUs
em geral são hospitais de extrema importância para a rede de atendimento
do SUS, geralmente os únicos nos Estados a oferecerem atendimentos de
alta complexidade pelo SUS, que hoje atende 70% da população.
Num horizonte próximo temos ainda mais ataques em vista. O “REUNI 2”
(Programa de Expansão Excelência e Internacionalização das Universidades
Federais) se avizinha, e impõem ainda medidas como a MP 568 que
modificava a remuneração de forma desvantajosa para xs trabalhadorxs que
exercem sua função em condições de isalubridade e reduzia o salário dos
médicos em 50%, vetada no inicio da greve não são isoladas. Para citar
somente mais um exemplo temos como proposta do governo a PL549 que
congela salários e contratações no serviço público Federal por dez anos.
Todo esse contexto deixa claro que o governo petista (Lula/Dilma) não
alterou estruturalmente a situação da educação pública superior
brasileira, pois apesar de suas políticas promoverem mudanças parciais e
permitirem a “inclusão” de estudantes pobres no ensino superior, estas
são realizadas não nas IFES que são públicas, mas em Universidades
Privadas, de caráter duvidoso, estimulando ainda mais a subordinação da
educação ao mercado, aos interesses particulares das grandes
transnacionais e então a precarização, o que afasta ainda mais de nosso
horizonte educação realmente pública, popular e gratuita. Portanto
percebemos que as políticas de Estado para a educação têm procurado
desenvolver a educação privada e tecnicista em detrimento da pública. O
PT mostra então a que veio, enquanto nova elite da política brasileira e
enquanto burocracia nos movimentos, quando toma medidas que podem ser
consideradas extremas, mesmo para um governo conservador, como a ordem
saída do governo para corte de ponto dxs servidorxs federais em greve, e
sua substituição por terceirizadxs; ou então no campo dos docentes
tanto dos IFs como das IFES encerrando as negociações e fechando acordo
com a burocracia sindical do Proifes, um sindicato que não representa
10% da categoria, e que foi criado pela própria base petista na
categoria para rivalizar com o ANDES e SINASEFE que se recusam a cumprir
o papel de sindicato “chapa branca”.
Defendemos o ensino público e o emprego do funcionalismo público ao
invés do ensino privado e das privatizações por entender que na esfera
das universidades públicas ainda encontramos melhores condições de
ensino e trabalho, além dar maior possibilidade dos estudantes e
trabalhadores se organizarem e se inserirem como atores políticos em
seus locais de estudo/trabalho.
Enfrentar as políticas que estão postas: um desafio!
Enquanto militantes que somos, queremos construir um pólo classista e
combativo que possa ser um instrumento para fomentar a organização e
mobilização de base do movimento estudantil e sabemos do grande desafio e
das grandes dificuldades que temos para fazer frente a essas
políticas. Há tempos que o movimento estudantil encontra-se
enfraquecido, não conseguindo construir pautas concretas que
possibilitem unificar as bases estudantis nacionalmente para além do
pontual ou do particular e que, então, possa se colocar como força
organizada em conjunto com outros setores do povo em luta por outro
projeto de educação. Uma coisa é a unidade (seja no discurso ou de fato
na prática) entre correntes, partidos, coletivos que atuam no movimento
estudantil; e outra coisa é um conjunto de reivindicações que reflitam a
organização de base e que de fato expresse unidade programática para
além dos partidos e organizações políticas ou de tendência desse
movimento. Esse seria um primeiro desafio. No entanto, para que possamos
“solucionar” esse problemão, também precisaríamos refletir e ver como
enfrentamos um outro desafio, que na verdade impede a construção do
primeiro: a prática burocrática dos burocratas do movimento estudantil.
A burocracia do movimento hoje pode ser encontrada na União Nacional
dos Estudantes (UNE) que há muito tempo não defende os interesses dos
estudantes, já que não constrói organização com estes e está
umbilicalmente vinculada aos interesses dos governos antes Lula e agora
Dilma Rouseff. É por isso a defesa da UNE do REUNI, do PROUNI e do FIES,
da própria campanha petista à presidência e do papelão que fez ao
passar por cima das Assembléias Gerais das Universidades que elegeram
delegados para a construção do Comando Nacional de Greve Estudantil
(CNGE) e sentar na mesa de negociação com o ministro da educação Aloísio
Mercadante. Essa é a prática da burocracia dirigente que toma decisões
a portas fechadas, que só mobiliza as universidades quando precisa de
delegados para seus Congressos Nacionais, que não pratica independência
do movimento e que age de acordo com os interesses de seus partidos (PT e
PCdoB), majoritários hoje na direção dessa entidade. Essa é a
“histórica” UNE que lutou contra a ditadura civil-militar brasileira,
mas que hoje está atrelada a um projeto de tons ao mesmo tempo liberais e
desenvolvimentistas e que, por isso, não ousa construir protagonismo e
força estudantil independente e combativa. Acreditamos na independência e
na autonomia do movimento estudantil como condição para a construção de
um programa de reivindicações e de outro projeto de educação, que para
nós deve estar a serviço do povo e não do mercado ou de governos. Também
acreditamos na ação direta como método de luta que implique diretamente
os estudantes em cada escola, em cada universidade e que faça pressão
na defesa e conquista daquilo que nos interessa. Para isso, devemos
combater a burocracia do movimento, pela força do exemplo e mostrar que é
no trabalho de base, no fortalecimento da organização e da mobilização
dos estudantes desde cada local de estudo e pela ação direta que iremos
criar protagonismo e força social para construir a educação que
queremos.
Como “alternativa” a UNE surgiu a ANEL (Assembléia Nacional dos
Estudantes – livre), fruto da decisão de alguns setores estudantis que
vinham construindo a CONLUTE. No entanto, a criação dessa entidade não
surgiu sem críticas como a da precipitação e do atropelamento do
principal grupo que assumiu sua construção, o PSTU. Querendo romper com
as velhas práticas da UNE, mas já começando na criação de uma estrutura
nacional sem a devida correspondência organizativa de base e tendo suas
pautas muito vinculadas a agenda dos partidos que a impulsionam, a ANEL
teria começado rompendo o velho reproduzindo-o segundo as críticas
daqueles que queriam um processo de construção de base, que pudesse ir
amadurecendo e sendo dotado de instâncias organizativas reais e de baixo
para cima. É justamente por vermos a debilidade de organização nacional
dos estudantes que achamos precipitado a construção dessa entidade
nacional, que acaba servindo muito mais como vitrine para partidos
políticos do que de fato instrumento de organização nacional dos
estudantes. No contexto da Greve das IFES, a militância da ANEL
construiu o CNGE, embora em seu início quisesse fazê-lo a partir de seus
espaços de organização, o que acabou não acontecendo, já que as
Assembléias Gerais foram soberanas. Mesmo assim, como a composição
majoritária no CNGE era dos estudantes da ANEL e daqueles vinculados aos
grupos da Oposição de Esquerda da UNE, imperou a moderação e o
simbolismo em muitas ações, como as “querelas” visando marcar terreno”,
acordões entre correntes para fazer valer certas pautas e não a
radicalização para pressionar de fato o governo.
A Unidade na Greve e o que fica como ensinamentos
A Greve das IFES permitiu o ensaio da unidade do movimento estudantil
em torno a reivindicações concretas, o que não aconteceu sem os velhos
problemas dos acordões políticos entre correntes e partidos em
detrimento das bases mobilizadas, da disputa a gritos e manobras
mesquinhas para fazer valer as posições particulares durante das
reuniões do CNGE e das pressões indiretas, vias parlamentares esquecendo
do uso de medidas de força e ação direta que impliquem diretamente os
grevistas, gerando protagonismo, e de fato pressionem o governo para
ceder na sua intransigência. A unidade também foi ensaiada com e pelas
outras categorias em greve, os docentes, os servidores e os técnicos
administrativos das IFES, o que foi um avanço.
O CNGE se constituiu por delegados por Universidade eleitos em
Assembléias Gerais de Base e foi um avanço para o movimento estudantil
grevista, pondo em xeque o papel da União Nacional dos Estudantes (UNE),
questionando a atuação governista e centralista dela e afirmando outro
modelo de organização nacional dos estudantes na coordenação da Greve.
Porém, nem tudo foram flores e velhas práticas que são encontradas no
interior da UNE (justamente aquilo que fazem milhares de militantes
decidirem por não mais construírem a entidade) podiam ser encontradas
nas reuniões do CNGE: disputa entre as correntes na hora de tomar
decisões; acordos entre elas para deliberação de pautas. Se foi um
avanço a unidade gerada e principalmente o papel desempenhado pela
mobilização em cada Universidade e pelas Assembléias Gerais na hora de
discutir as pautas da greve e eleger os delegados, ainda há muito o que
fazer para tornar as instâncias de coordenação nacionais expressões
verdadeiramente democráticas e de base, com o controle dos delegados
pelas bases estudantis e que o programa de lutas que permita unidade na
prática seja de fato reflexo das decisões de cada Universidade. Cabe
destacar o papel protagonista de nossa militância, comprometida com a
base, que de forma enérgica defendeu que os delegados de base saíssem de
assembléia, bem como a legitimação de pautas das assembléias de base.
O CNGE foi, portanto, o espaço que coordenou todo o processo de
mobilização dos estudantes e que, instalado em Brasília, acompanhou as
“negociações”, sistematizou as pautas mais ou menos discutidas em cada
Universidade e fez unidade com os Comandos das demais categorias. Suas
ações tiveram limites pelo caráter da composição que acima descrevemos, o
que impossibilitou o aprofundamento da mobilização e da radicalização
nas bases embora na quase totalidade do movimento grevista isto tivesse
apontado. Uma das críticas a forma que o CNGE foi construído era a de
sua instalação em Brasília, dificultando o controle de base dos
delegados eleitos e também o próprio deslocamento e permanência destes.
Nossa participação no CNGE foi modesta e minoritária, mas mesmo com as
críticas que podem ser feitas, não nos furtamos de construí-lo e de
defender em seus espaços e principalmente nas Universidades em Greve
nossas posições a partir de nossa militância.
A partir de agora, continuar organizados e aprofundar a mobilização
Sabendo dos vários desafios que estiveram colocados à todos os
trabalhadores e estudantes na construção dessa Greve, achamos que fazer a
defesa do trabalho de base cotidiano, da discussão e da formação
política no dia a dia e de uma estrutura sindical e estudantil que
vincule organicamente a base e os “representantes” para que de fato as
decisões sejam tomadas pela base, é tomar uma postura que julgamos mais
adequada para avançar da greve como uma simples medida de reação as
investidas de cima, para a greve como uma medida de força conhecida e
reconhecida como expressão da organização permanente dos trabalhadores e
estudantes. Isso implica gerar espaços de participação reais em cada
faculdade e em cada escola em que os estudantes sejam implicados
diretamente na tomada de decisões sobre os rumos de suas lutas e na
construção das pautas de reivindicações que precisamos conquistar.
Manter a discussão na base a partir do acúmulo deixado pela greve é
tarefa imediata e permanente. Uma tarefa que nos chama e da qual não
abriremos mão!
Unir estudantes e trabalhadores e construir Povo Forte!
Assinam este balanço:
Resistência Popular – AL
Rizoma – tendência libertária e autônoma (SP)
Coletivo Quebrando Muros (PR)
Resistência Popular – RS