sexta-feira, 20 de março de 2015

QUILOMBOLA Nº1 - 2015 - Ocupar ruas e praças, pelo direito à cidade

 

Ocupar ruas e praças, pelo direito à cidade





     Desde que os seres humanos desenvolveram a habilidade de caminhar sobre duas pernas iniciaram um processo de exploração e ocupação de novos territórios. Seja para fins de alimentação ou abrigo, a ideia de que nós poderíamos ir aonde nossas pernas permitisse já existia – mesmo que inconscientemente. E a partir disso nos foi possível adequar a natureza às nossas necessidades e desenvolver meios de socialização para além do uso da terra para o trabalho; surgem então as práticas de lazer – jogos, corridas, etc.

    Percebemos, então, que desde os primórdios – e isso foi se refinando com o desenvolvimento intelectual – os humanos buscavam exercer seu direito de ir e vir e usar a terra para diversos fins. No entanto, na mesma medida em que se buscava usar a terra livremente, existiam outros que quiseram – e tiveram esse poder – de usar a terra como propriedade privada.

     Desse modo, a terra possuía um dono, que restringia seu uso e ocupação por quem necessitava. De outras maneiras isso se mantém atualmente nos espaços urbanos em que vivemos. O direito à cidade é o direito de ocupar os espaços da rua, da praça, do bairro, etc... O geógrafo urbano David Harvey afirma que o direito à cidade é um direito “inalienável”, ou seja, um direito do qual não podemos abrir mão e é entendido como essencial para se garantir o pleno acesso à cidade e à efetivação de outros direitos, como saúde, educação, cultura, etc. Para isso, considera-se essencial democratizar os espaços de lazer. Exercer o direito à cidade significa assumir a nossa responsabilidade no processo de produção e de transformação da cidade. Discutir mobilidade urbana e direito à cidade significa problematizar a realidade de injustiça, opressão, agressão e exclusão que permeia o cotidiano das cidades e seleciona de forma hierarquizada (e elitista) os que podem ou não desfrutar e exercer efetivamente o direito à cidade. Significa discutir sobre que tipo de cidade queremos: uma cidade projetada na escala humana ou na escala do capital? Os bairros nobres são atendidos por toda a sorte de serviços, escolas, quadras poliesportivas, hospitais, uma infinidade de locais para o lazer e a prática de esportes, enquanto que na periferia a realidade é outra, completamente oposta, em que mal existe sistema sanitário, com as ruas tornando-se lama quando chove e a principal prioridade é o posto policial para “garantir a segurança”. Na periferia quem garante os espaços de lazer é a própria comunidade, transformando um terreno abandonado em campinho de futebol ou utilizando uma rua pouco movimentada para dar um “rolé” de skate. Mas se uma determinada área periférica desperta o interesse das elites, elas logo se encarregam de toma-las para si, como foi o caso da desocupação do pinheirinho em São Paulo e como está sendo na questão da vila dos pescadores de Jaraguá.

     Há no debate de direito à cidade um pano de fundo também para a discussão do que diz respeito à mobilidade urbana, o direito de se deslocar pela cidade e acessar aos diversos serviços que ela oferece. E dentro desse debate encontramos também a desigualdade social como ponto central para a discussão. É necessário se deslocar à escola, ao centro de saúde, ao cinema, ao local de trabalho, etc. O debate sobre a mobilidade urbana versa, dessa forma, sobre a garantia de condições necessárias à utilização dos serviços, como também sobre os obstáculos a essa utilização. Os altos preços da tarifa de ônibus, a falta de estrutura para meios de transporte alternativos, como as ciclovias, são obstáculos à utilização dos serviços acima referidos.

     Aqui mesmo na zona sul é possível encontrar um exemplo latente de restrição ao direito a cidade: é o caso dos que andam de skate, esporte bem tradicional por aqui; todos os dias basta percorrer as ruas e as praças do bairro do Vergel do Lago e adjacências para encontrar com a galera praticando o esporte, não porque há incentivo para a prática, pelo contrário, a estrutura é zero, mas porque a rapaziada se organiza e improvisa os obstáculos. Bem diferente da realidade dos bairros nobres da cidade que contam com pistas bem estruturadas – dos quatro principais locais para a prática do esporte, três estão localizados em bairros nobres e apenas um na periferia, que é o caso da rampa do Biu –, ou seja, como dito anteriormente os bairros nobres são atendidos por toda a sorte de serviços. Aqui na zona sul o pessoal teve que lutar para conseguir fechar uma rua à noite para poder praticar o esporte.

Família PST, que marca presença forte nas praças da Zona Sul

     “Infelizmente aqui em Maceió nosso esporte não é tão valorizado. Os melhores locais para os rolês são na pista da Pajuçara e na praça do skate e até mesmo lá existem vários buracos na pista e poucos obstáculos, dificultando o rolê da galera e a evolução”. É o que afirma Samuel Rodrigues, morador da Zona Sul e praticante do esporte. Afirma ainda que a prefeitura, através da secretaria de esporte, decretou a praça do Rui Palmeira como sendo praça do esporte e do lazer mas só o que encontramos ao ir a praça são duas placas da prefeitura que servem apenas para sinalizar que a rua está fechada. “O bob é um cara da região que tem uma loja de skate e vem fazendo muito pelo esporte, foi ele quem, praticamente, ressuscitou o esporte na Zona Sul, sempre nos reunimos para fazer obstáculos novos, inclusive fizemos uma pequena pista próximo ao milénio onde praticamos contemplados pela Lagoa Mundaú’’, completa ele. Ou seja, se não fosse pela iniciativa da comunidade a prática do skate na Zona Sul seria praticamente nula.

Rolê na praça dos pobres

     O movimento do skate tem um grande histórico de lutas e resistência na busca pelo direito à cidade, já que o esporte enfrentou diversas proibições e por conta disso ainda hoje é taxado como um esporte marginal. Ao longo de sua história o skate se tornou, sem dúvidas, o esporte mais urbano que existe. Nas ruas, os skatistas fazem suas próprias rampas e ocupam as cidades usando-as como um grande skate Park. O mais urbano dos esportes aproximou-se de outra cultura igualmente urbana, o Hip-Hop, com presença forte também aqui na zona sul, aglutinando suas formas de expressão como a arte, a música e a moda, tornando-se uma cultura híbrida e sólida. Os skatistas não praticam somente um esporte, são adeptos a um estilo de vida. A história está ai para nos mostrar que a única forma de conquistar o direito de acesso a cidade é nos organizando e lutando juntos por tais direitos. Essa luta deve ser organizada e protagonizada por nós mesmos, seja na nossa comunidade, na escola ou até mesmo no local de trabalho, pressionando as elites através das diversas formas de mobilização que temos em mãos, partindo das lutas mais locais e imediatas, como a luta por uma praça do Skate aqui na Zona Sul e evoluindo para lutas e conquistas mais amplas, como a mobilidade urbana e o direito a cidade, caso contrário ficarmos a mercê de políticos que surgem de dois em dois anos com suas promessas, pois sabemos bem de que lado eles estão nessa disputa por direitos.



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