Ocupar ruas e praças, pelo direito à cidade
Desde que os seres humanos desenvolveram a
habilidade de caminhar sobre duas pernas iniciaram
um processo de exploração e ocupação de novos
territórios. Seja para fins de alimentação ou abrigo, a
ideia de que nós poderíamos ir aonde nossas pernas
permitisse já existia – mesmo que
inconscientemente. E a partir disso nos foi possível
adequar a natureza às nossas necessidades e
desenvolver meios de socialização para além do uso
da terra para o trabalho; surgem então as práticas de
lazer – jogos, corridas, etc.
Percebemos, então, que desde os primórdios – e isso
foi se refinando com o desenvolvimento intelectual –
os humanos buscavam exercer seu direito de ir e vir e
usar a terra para diversos fins. No entanto, na mesma
medida em que se buscava usar a terra livremente,
existiam outros que quiseram – e tiveram esse poder
– de usar a terra como propriedade privada.
Desse
modo, a terra possuía um dono, que restringia seu uso
e ocupação por quem necessitava. De outras maneiras
isso se mantém atualmente nos espaços urbanos em
que vivemos.
O direito à cidade é o direito de ocupar os
espaços da rua, da praça, do bairro, etc... O geógrafo
urbano David Harvey afirma que o direito à cidade é
um direito “inalienável”, ou seja, um direito do qual
não podemos abrir mão e é entendido como essencial
para se garantir o pleno acesso à cidade e à efetivação
de outros direitos, como saúde, educação, cultura, etc. Para isso, considera-se essencial democratizar os
espaços de lazer. Exercer o direito à cidade significa
assumir a nossa responsabilidade no processo de
produção e de transformação da cidade. Discutir
mobilidade urbana e direito à cidade significa
problematizar a realidade de injustiça, opressão,
agressão e exclusão que permeia o cotidiano das
cidades e seleciona de forma hierarquizada (e elitista)
os que podem ou não desfrutar e exercer efetivamente
o direito à cidade. Significa discutir sobre que tipo de
cidade queremos: uma cidade projetada na escala
humana ou na escala do capital?
Os bairros nobres são atendidos por toda a
sorte de serviços, escolas, quadras poliesportivas,
hospitais, uma infinidade de locais para o lazer e a
prática de esportes, enquanto que na periferia a
realidade é outra, completamente oposta, em que mal
existe sistema sanitário, com as ruas tornando-se
lama quando chove e a principal prioridade é o posto
policial para “garantir a segurança”. Na periferia
quem garante os espaços de lazer é a própria
comunidade, transformando um terreno abandonado
em campinho de futebol ou utilizando uma rua pouco
movimentada para dar um “rolé” de skate. Mas se
uma determinada área periférica desperta o interesse
das elites, elas logo se encarregam de toma-las para si,
como foi o caso da desocupação do pinheirinho em
São Paulo e como está sendo na questão da vila dos
pescadores de Jaraguá.
Há no debate de direito à cidade um pano de
fundo também para a discussão do que diz respeito à
mobilidade urbana, o direito de se deslocar pela cidade
e acessar aos diversos serviços que ela oferece. E dentro
desse debate encontramos também a desigualdade
social como ponto central para a discussão. É
necessário se deslocar à escola, ao centro de saúde, ao
cinema, ao local de trabalho, etc. O debate sobre a
mobilidade urbana versa, dessa forma, sobre a garantia
de condições necessárias à utilização dos serviços,
como também sobre os obstáculos a essa utilização. Os
altos preços da tarifa de ônibus, a falta de estrutura
para meios de transporte alternativos, como as
ciclovias, são obstáculos à utilização dos serviços acima
referidos.
Aqui mesmo na zona sul é possível encontrar
um exemplo latente de restrição ao direito a cidade: é o
caso dos que andam de skate, esporte bem tradicional
por aqui; todos os dias basta percorrer as ruas e as
praças do bairro do Vergel do Lago e adjacências para
encontrar com a galera praticando o esporte, não
porque há incentivo para a prática, pelo contrário, a
estrutura é zero, mas porque a rapaziada se organiza e
improvisa os obstáculos. Bem diferente da realidade
dos bairros nobres da cidade que contam com pistas
bem estruturadas – dos quatro principais locais para a
prática do esporte, três estão localizados em bairros
nobres e apenas um na periferia, que é o caso da rampa
do Biu –, ou seja, como dito anteriormente os bairros
nobres são atendidos por toda a sorte de serviços. Aqui
na zona sul o pessoal teve que lutar para conseguir
fechar uma rua à noite para poder praticar o esporte.
Família PST, que marca presença forte nas
praças da Zona Sul
“Infelizmente aqui em Maceió nosso esporte
não é tão valorizado. Os melhores locais para os rolês
são na pista da Pajuçara e na praça do skate e até
mesmo lá existem vários buracos na pista e poucos
obstáculos, dificultando o rolê da galera e a evolução”.
É o que afirma Samuel Rodrigues, morador da Zona Sul
e praticante do esporte. Afirma ainda que a prefeitura,
através da secretaria de esporte, decretou a praça do
Rui Palmeira como sendo praça do esporte e do lazer
mas só o que encontramos ao ir a praça são duas placas
da prefeitura que servem apenas para sinalizar que a rua está fechada. “O bob é um cara da região que tem
uma loja de skate e vem fazendo muito pelo esporte, foi
ele quem, praticamente, ressuscitou o esporte na Zona
Sul, sempre nos reunimos para fazer obstáculos
novos, inclusive fizemos uma pequena pista próximo
ao milénio onde praticamos contemplados pela Lagoa
Mundaú’’, completa ele. Ou seja, se não fosse pela
iniciativa da comunidade a prática do skate na Zona Sul
seria praticamente nula.
Rolê na praça dos pobres
O movimento do skate tem um grande histórico
de lutas e resistência na busca pelo direito à cidade, já
que o esporte enfrentou diversas proibições e por conta
disso ainda hoje é taxado como um esporte marginal.
Ao longo de sua história o skate se tornou, sem dúvidas,
o esporte mais urbano que existe. Nas ruas, os skatistas
fazem suas próprias rampas e ocupam as cidades
usando-as como um grande skate Park. O mais urbano
dos esportes aproximou-se de outra cultura igualmente
urbana, o Hip-Hop, com presença forte também aqui
na zona sul, aglutinando suas formas de expressão
como a arte, a música e a moda, tornando-se uma
cultura híbrida e sólida. Os skatistas não praticam
somente um esporte, são adeptos a um estilo de vida.
A história está ai para nos mostrar que a única
forma de conquistar o direito de acesso a cidade é nos
organizando e lutando juntos por tais direitos. Essa
luta deve ser organizada e protagonizada por nós
mesmos, seja na nossa comunidade, na escola ou até
mesmo no local de trabalho, pressionando as elites
através das diversas formas de mobilização que temos
em mãos, partindo das lutas mais locais e imediatas,
como a luta por uma praça do Skate aqui na Zona Sul
e evoluindo para lutas e conquistas mais amplas,
como a mobilidade urbana e o direito a cidade, caso
contrário ficarmos a mercê de políticos que surgem
de dois em dois anos com suas promessas, pois
sabemos bem de que lado eles estão nessa disputa por
direitos.